quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

ARTE

                                            REVISTA ORPHEU


Orpheu foi uma Revista Trimestral de Literatura publicada em Lisboa. Apenas teve dois números publicados, correspondentes aos primeiros dois trimestres de 1915, sendo o terceiro número cancelado devido a dificuldades de finaciamento. Apesar disso, a revista exerceu uma notável e duradoura influência: o seu vanguardismo inspirou movimentos literários subsequentes de renovação da literatura portuguesa. Mau grado o impacto negativo que Orpheu causou na crítica do seu tempo, a sua relevância advém de ter, efectivamente, introduzido em Portugal o movimento modernista, associando nesse projecto importantes nomes das letras e das artes do século XX, como Fernando Pessoa ou Mário de Sá-Carneiro.

Recepção de ORPHEU

A recepção de Orpheu não foi pacífica, bem pelo contrário, desencadeando uma controvérsia pública, que se propagou pela imprensa portuguesa da época. As críticas e comentários eram sobretudo jocosos, sendo os escritores ridicularizados e apontados como doidos varridos, sobretudo devido aos poemas «16», de Mário de Sá-Carneiro, e «Ode Triunfal», do heterónimoÁlvaro de Campos, alter ego de Fernando Pessoa. Aproveitando o escândalo que se gerara com o lançamento da revista [1], Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, que figuram como directores no seu segundo número, acentuam o seu carácter provocador e contrafactual, revelando nomes como Santa-Rita Pintor, artista plástico "futurista" e Ângelo de Lima, poeta marginal internado no manicómio de Rilhafoles desde 1900.
Na carta que escreveu a Camilo Pessanha, então funcionário em Macau, Fernando Pessoa pedia-lhe autorização para inserir poemas dele, assumindo já a direcção de Orpheu', descreve a revista da seguinte forma:
  • «Sou um dos directores da revista trimestral de literatura Orpheu. Não sei se V. Ex.ª a conhece; é provável que não a conheça. Terá talvez lido, casualmente, alguma das referências desagradáveis que a imprensa portuguesa nos tem feito. Se assim é, é possível que essa notícia o tenha impressionado mal a nosso respeito, se bem que eu faça a V. Ex.ª a justiça de acreditar que pouco deve orientar-se, salvo em sentido contrário, pela opinião dos meros jornalistas. Resta explicar o que é Orpheu. É uma revista, da qual saíram já dois números; é a única revista literária a valer que tem aparecido em Portugal, desde a Revista de Portugal, que foi dirigida por de Eça de Queirós. A nossa revista acolhe tudo quanto representa a arte avançada; assim é qie temos publicado poemas e prosas que vão do ultra-simbolismoao futurismo. Falar do nível que ela tem mantido será talvez inábil, e possivelmente desgracioso. Mas o facto é que ela tem sabido irritar e enfurecer, o que, como V. Ex.ª muito bem sabe, a mera banalidade nunca consegue que aconteça. Os dois números não só se têm vendido, como se esgotaram, o primeiro deles no espaço inacreditável de três semanas. Isto alguma coisa prova -- atentas as condições artisticamente negativas do nosso meio -- a favor do interesse que conseguimos despertar. E serve ao mesmo tempo de explicação para o facto de não remeter a V. Ex.ª os dois números dessa revista. Caso seja possível arranjá-los, enviá-los-emos sem demora.»
  • Fernando Pessoa (1994). Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, textos estabelecidos e pefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho. Lisboa: Edições Ática, pp. 358-359. 
  •   Vida e morte de ORPHEU

    Em Julho de 1915 Alfredo Guisado e António Ferro anunciavam publicamente o seu afastamento da revista, devido a divergências políticas com Fernando Pessoa; e Mário de Sá-Carneiro parte precipitadamente para Paris. Em Agosto informa Fernando Pessoa que o seu pai se recusava continuar o estatuto messenático que entretanto assumira, esfumando-se assim o projectado terceiro número de Orpheu.
    No ano seguinte ocorreria o trágico suicídio de Mário de Sá-Carneiro e em 1918 morreriam também os pintores Amadeu de Souza-Cardoso, de quem Fernando Pessoa chegou a projectar inserir trabalhos no terceiro número de Orpheu, bem como Santa-Rita Pintor, que colaborou com quatro hors-texteSanta-Rita Pintor dirigiu o número único da revista para o segundo número da revista. Portugal Futurista, continuadora da tradição vanguardista, contrafactual e provocadora de Orpheu, publicando trabalhos dos seus mais notáveis colaboradores, designadamente Mário de Sá-Carneiro e Álvaro de Campos. Para alguns críticos, Portugal Futurista, revista de Santa-Rita Pintor publicada em Novembro de 1917 e apreendida de seguida pelas autoridades, seria a efectiva herdeira de Orpheu e o seu real terceiro número.
    Orpheu marcou a história da literatura portuguesa do século XX, sendo considerada o marco inicial do modernismo em Portugal. Os protagonistas da revista ficaram conhecidos como «geração de Orpheu». Apenas doze anos depois, a importância desta publicação começaria a ser reconhecida pela «segunda geração modernista» nas páginas da revista Presença, publicada em Coimbra de 1927 a 1940 e que contou com nomes ilustres das letras portuguesas, como José Régio, Miguel Torga ou Vitorino Nemésio.

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