quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

O NEO REALISMO PORTUGUES

                 O NEO REALISMO PORTUGUES

O Neo-Realismo, portanto, é uma corrente literária que se define fundamentalmente pela proposta de desnudamento dos mecanismo socioeconômicos que regem a vida humana - e supostamente explicariam todos os seus dramas e conflitos - e pelo incitamento a uma transformação radical da ordem burguesa através da ação revolucionária. Por outras palavras, a estética literária neo-realista se define em termos semânticos e pragmáticos, mas não em termos sintáticos. Ou seja, não há um estilo neo-realista propriamente dito: cada autor pôde efetivamente experimentar diferentes técnicas narrativas, registros lingüísticos e recursos literários em função da consecução dos objetivos semânticos e pragmáticos do Neo-Realismo comuns a todos eles. É o que se observa de forma inequívoca quando se comparam obras como Gaibéus (1940), de Alves Redol, Cerromaior (1943), de Manuel da Fonseca, Vagão J (1946), de Vergílio Ferreira, ou Jogos de azar (1946), de Cardoso Pires, por exemplo.
Na verdade, essa grande liberdade na busca de técnicas narrativas e de recursos estilísticos adequados à veiculação da visão de mundo neo-realista e de sua mensagem revolucionária é fruto de um problema básico enfrentado por aqueles autores: como utilizar o romance burguês, enquanto forma literária consagrada cuja aptidão a se comunicar com o grande público e a transmitir valores não podia ser negada, para veicular uma mensagem radicalmente anti-burguesa? Para tanto, que modificações técnicas e estruturais ele deveria sofrer? Aí está a raiz da grande diversidade de estilos que se observa entre os autores neo-realistas e, no caso de Cerromaior, a origem última de alguns equívocos que cercaram a recepção do romance.
Se o Neo-Realismo, como vimos, é um movimento internacional, que percorre, às vezes com nomes diferentes, várias literaturas ocidentais, sua introdução em Portugal ganhou maior relevo social e cultural devido à ditadura salazarista e sua equívoca neutralidade durante a II Guerra Mundial. De fato, o Neo-Realismo português começa em 1940, quando o grande conflito já se iniciara. Por outro lado, Portugal era um país quase exclusivamente agrário, muito atrasado em termos socieconômicos, com uma indústria incipiente e sem um movimento operário expressivo. A conjugação desses dois fatores dá ao Neo-Realismo português uma fisionomia muito própria.
Em primeiro lugar, há uma absoluta predominância do contexto agrário sobre o urbano, a ponto de nos primórdios do movimento se falar equivocadamente em regionalismo. Ainda em função do secular atraso econômico e social do país, surge o problema da verossimilhança na construção de personagens conscientes e engajados politicamente, uma vez que, ao contrário do que ocorria em outros países, os trabalhadores portugueses em sua quase totalidade permaneciam alheios às formas de organização e às lutas da classe operária. Além disso, diante da patente impossibilidade de derrubada do regime por pressão interna, o apoio que os intelectuais neo-realistas e a esquerda em geral davam aos aliados na luta contra o nazifascismo, levava-os a acreditar que a derrota do Eixo implicaria necessariamente a queda de Franco e de Salazar. Naquele momento, não se imaginava a capacidade de rearticulação política de que dariam mostra no pós-guerra os dois ditadores dos dois países da Península Ibérica.
Ora, se tomarmos o conjunto da produção neo-realista portuguesa dos anos 40 - o chamado primeiro momento do Neo-Realismo -, veremos que em geral se trata de histórias em que avulta a denúncia da alienação dos trabalhadores e da perversidade dos mecanismos de opressão da classe dominante e em que, no fundo de situações aparentemente sem saída, brilha - mais em termos simbólicos que concretos - alguma esperança de um mundo vindouro em que reinem a justiça, a paz e fraternidade. Basta lembrarmo-nos do companheirismo das crianças de Gaibéus, do espaço igualitário da casa em Casa da malta (1945), de Fernando Namora, ou do sonho de Zé Cardo em Aldeia Nova (1942), de Manuel da Fonseca.

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